Bistrô da Poesia
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06/11/2007 18h45
Explicando a Guerra – e Pêssach – a uma criança de seis anos

Explicando a Guerra – e Pêssach – a uma criança de seis anos

Querido Caleb,

Quando você tinha seis meses, eu considerava você a criança mais fantástica do mundo, e às vezes desejava que você pudesse ter aquela idade para sempre. Resignei-me ao fato de que ao crescer, você inevitavelmente se tornaria um pouco menos atraente e um pouco mais complicado. Mas não foi isso o que ocorreu.

Embora você seja agora um garotão – seis anos – ainda é a criança mais fantástica que conheço. Sim, pode ser irritante às vezes: mamãe e eu estávamos prestes a arrancar seus cabelos, por exemplo, quando por sete semanas seguidas de aulas de natação no verão passado, você recusou-se sequer a entrar na água. Como toda criança, você ocasionalmente se comporta mal, ou responde desrespeitosamente, ou tem um ataque de má educação quando não consegue aquilo que quer. Mas de forma geral, é uma alegria conviver com você – alegre, inteligente, entusiasmado.

E engraçado, também. Você contou-me há alguns meses que planeja viver em nossa casa depois que se casar. "Onde você vai dormir?" perguntei. "No meu quarto" – respondeu você. "E onde sua mulher vai dormir?" Você respondeu prontamente: "Na parte de cima do beliche."

Atualmente, Caleb, eu muitas vezes me espanto ao ver como você parece "crescido". O bebê gordinho cedeu lugar a um jovem esbelto um tanto competitivo e um modo de pensar todo seu. Quando levei você e Mamãe ao aeroporto em fevereiro para sua viagem a Disneyworld com a vovó, observei você trotar até o terminal, mala na mão, e fiquei encantado por ver como você parecia um viajante experiente.

Porém, em outras maneiras, você ainda é tão inocente. Quando arrumou aquela mala para a viagem à Flórida, a primeira coisa que entrou nela foi seu bicho de pelúcia favorito.
Não tenho pressa em dispersar a sua inocência, mas sei que o mundo lá fora não ficará para sempre do lado de fora. Meu poder de abrigar você daquilo que há de pior está diminuindo aos poucos: sua percepção do mal e do sofrimento humano está aumentando lentamente. Desejo prepará-lo para a fealdade e injustiça que você provavelmente vai encontrar enquanto traça seu caminho pelo mundo – prepará-lo não somente para reconhecer que tais coisas existem como também para entender que tem o dever de combatê-las.

Meses atrás, conversamos sobre a guerra no Iraque. Expliquei que o governante daquele país é um homem extremamente cruel, que por muito tempo vem matando e ferindo muitas pessoas – incluindo até crianças de sua idade ou ainda menores – e que existe uma guerra para reprimir o terrorismo. A guerra pode ser terrível e assustadora, eu disse a você, mas seria ainda mais terrível se nada fizéssemos para refrear a crueldade e mal que existe no mundo.

"Imagine como você se sentiria" – sugeri – "se alguém o estivesse machucando muito – machucando tanto que você estava chorando – e todo o mundo só assistisse e nada fizesse para impedi-lo." Esta é uma maneira muito simples de explicar a guerra e o mal, Caleb, mas você ficaria surpreso ao ver quantos adultos não conseguem compreendê-la.

Felizmente, a idéia de que a perseguição de inocentes exige uma reação é algo com o qual você já está familiarizado.

Nesta época, no jardim de infância, você e seus colegas estão se preparando para Pêssach. Vocês estão aprendendo sobre o amargo cativeiro dos judeus e a crueldade dos egípcios, e sobre o grande líder chamado Moshê, que se recusava a olhar para o outro lado ao testemunhar atos de injustiça. Mais uma vez, você está escutando a história de Shifrá e Puá, as parteiras judias que corajosamente desafiaram a ordem do faraó para afogar todo recém-nascido judeu.

A lição que eu espero que você esteja gradualmente assimilando é que quando vítimas estão sofrendo, aqueles que podem ajudá-las têm a obrigação de fazê-lo. "Não fique alheio ao sangue de seu vizinho" – ordena a Torá em Vayicrá 19:16. Quando alguém está num terrível apuro, você deve ajudar se puder.

A verdade, Caleb, é que se não fosse a guerra, você não existiria. Na primavera de 1945, o pai de seu pai estava às portas da morte num campo de concentração nazista; ele sobreviveu e foi libertado graças às bombas e tiros dos Aliados, que conseguiram destruir Hitler antes que Hitler conseguisse destruir até o último judeu na Europa. Homens armados salvaram sua família da destruição. Nunca se esqueça disso.

Mais alguns dias, e estaremos nos sentando para o Sêder de Pêssach, e espero ansiosamente ouvir você explicar o significado dos rituais antigos. Comemos ervas amargas, você me dirá, para relembrar o amargo cativeiro de nossos antepassados. Mergulhamos um vegetal na água salgada para nos lembrar das lágrimas deles. Comemos matsá seca, ázima, porque foi o pão da aflição deles.

Hoje vivemos em liberdade e com conforto, mas há muitos neste mundo que conhecem apenas escravidão e lágrimas. Não feche seus olhos e ouvidos a eles, Caleb. Treine-se para se importar com aqueles que estão sendo feridos. E jamais se esqueça: O mal triunfa quando as pessoas de bem não fazem nada.

Todo meu amor,

Papai.

 (por Jeff Jacoby – colunista do Boston Globe)

Publicado por Akasha De Lioncourt
em 06/11/2007 às 18h45