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01/06/2008 16h53
Stigmata, um filme religioso ou psicológico?
Stigmata, um filme religioso ou psicológico?
Paulo Souza
2004

Idioma: Português do Brasil
Palavras-chave: Stigmata, Jung, Psicologia Junguiana, Psicologia Analítica, filme religioso, religião, crença, estigma, estigmas.

Introdução

 

O filme Stigmata, no meu entendimento, pode ser abordado por duas linhas mestras paralelas: uma religiosa e outra psicológica. A primeira me parece ser a idéia do diretor, a outra será uma interpretação pessoal baseada na psicologia analítica de C. G. Jung. O filme parte de um fato verídico - ele se baseia na descoberta do 'Evangelho de Tomé' - e cria uma história de ficção em cima dele. Como um segundo tópico religioso encontramos no filme os estigmas de Cristo e os estigmatizados, talvez para o diretor seja o ponto principal, pois coloca o título do filme de "Stigmata". Seguindo no filme a linha religiosa, ele apresenta alguns assuntos secundários: as dúvidas e incertezas do padre Andrew Kiernan entre ciência e religião; os métodos pouco ortodoxos da Igreja Católica Apostólica Romana em manter seu status; os conflitos de Frankie Paige que levava uma vida mundana sem se preocupar com o religioso e o tema da possessão de um ser humano por uma alma desencarnada. É claro que não vou considerar nenhum aspecto técnico do filme, nem algumas incorreções históricas e geográficas. O filme comete alguns erros: língua aramaica no lugar da copta, Mar Morto no lugar de Egito, frases que não estão no "Evangelho segundo Tomé, o Dídimo" e algumas datas.

 

Vejo a análise de filmes como se fosse a de um sonho, ou seja, o sonho está centrado no indivíduo e serve para o indivíduo. O diretor faz o filme para si, assim como um músico faz a música para ele mesmo, é o seu momento. É claro que depois de pronta, a obra de arte tocará outras pessoas que projetam seus conteúdos psicológicos nessa obra. Mas podemos ver o filme como um 'conto de fadas', ou seja é uma história que pertence ao coletivo e foi 'colhida' pelo autor no 'inconsciente coletivo'. É claro que vamos colocar conteúdos individuais por cima dos conteúdos pessoais do diretor, por isso uma análise nunca é isenta de 'projeções'. O importante no final é que conteúdos psicológicos de diversas pessoas podem ser atingidos e a obra artística passa a interessar a coletividade.

 

Vou repassar o filme focando no aspecto religioso sugerido pelo diretor, com inserções das imagens simbólicas mais fortes e colocando uma interpretação junguiana para os acontecimentos. Por isso escolhi fazer a interpretação de cena-em-cena para não perdermos de vista a trama da história. 

 

Cena 1

 

O filme começa com o sol nascendo, em seguida aparece um lago de águas mansas e surge uma igreja simples. A igreja está situada na cidade de Belo Quinto (cidade fictícia), sudeste do Brasil. Numa simples passagem de câmera o filme apresenta: o sol que pode ser visto como uma divindade centralizadora, para o qual Jung deu o nome de Self; a água que é um símbolo tradicional do inconsciente, dividido por Jung em 'individual' e 'coletivo' e a igreja como o religioso em cada um de nós, independente da fé que professemos.

 

Logo após aparece o padre Paolo Almeida traduzindo um texto antigo, onde um trecho chega até nós: - "Jesus disse que: o Reino de Deus está em nós... e não em templos de madeira e pedra". Enrola o rosário na mão e coloca na testa. Apesar da frase não constar no 'Evangelho de Tomé' ela mostra a linha que o filme tomará, a da religiosidade não ter necessidade de ser manifestada apenas nas igrejas, nos templos, nos santuários...

 

Bate o sino, um cego porta uma cruz com o Cristo e doentes caminham em procissão. O sino funciona como um chamamento religioso que depois vai ser bem evidenciado na protagonista Frankie. O cego me lembra a figura lendária de Tirésias, da mitologia grega, ele tinha o poder oracular de ver o futuro e a cegueira física vem nos mostrar a necessidade de olharmos menos para o mundo externo e mais para o nosso interior, isso complementado pela grande quantidade de pessoas doentes em busca de Deus.

 

Surge a figura do padre Andrew Kiernan caminhando entre a multidão em forma de procissão. A direita vemos um carro da polícia que pode ser interpretado como a repressão da religião no povo, ou o povo escapando da repressão pela religião. O padre Kiernan entra na igreja e vê o padre Almeida morto. Ele observa a imagem de Nossa Senhora que chora sangue. O padre Almeida está no caixão segurando a foto de 3 padres (ele com mais dois, ainda nossos desconhecidos). A água pinga e a cena reverte, como se o tempo andasse para trás, talvez numa tentativa de mostrar o inconsciente e a sua atemporalidade.

 

As próximas tomadas mostram muitas velas, vento, pombas e penas voando; a chama da vela apaga e depois acende. O padre Kiernan observa e fotografa. A pomba pode ser vista como um símbolo da alma, o que será confirmado no decorrer do filme, em algumas partes a pomba é a própria alma do padre Almeida. O vento é uma representação do sopro divino criador, juntamente com o fogo da vela nos dá a idéia que algo será perpetuado - no caso a alma do padre - como uma necessidade de revelar a palavra de Deus.

 

Um jovem rouba o rosário do cadáver do padre Almeida e vende a uma mulher por cinco dólares, mais tarde vamos concluir que a senhora é mãe da personagem Frankie Paige que o envia para a filha na cidade de Pittsburgh. Já encontramos o cinco duas vezes, no valor do rosário e no nome da cidade, voltaremos a ele mais tarde.

 

A cena fecha com a imagem de sangue em cima do caixão sugerindo que o sangue permeará todo o filme. Só nesta primeira cena nos é apresentado uma grande quantidade de simbolismo e também a base da narrativa que irá se desenrolar.

 

Cena 2

 

Aparecem imagens sobrepostas - o sagrado e o profano. Temos aqui uma prévia do que ocorrerá no filme, o sagrado e o profano misturados e até se confundindo, como deixando para o espectador a tarefa de separá-los ou não. Surgem imagens da Frankie e a cena fecha com sangue na sua casa, fazendo uma ponte com o final da cena anterior, do sangue sobre o caixão do padre Almeida.

 

Frankie Paige é cabeleireira em Pittsburgh, na Pensilvânia e vive uma vida comum de jovem. Possivelmente o diretor quis mostrar que os estigmas também podem ocorrer em pessoas comuns, não religiosas e não somente em santos como ocorre desde São Francisco de Assis. O número quatro é um símbolo de totalidade, ele aparece duas vezes no filme: no número 2.404 do seu apartamento - como podemos ver no pacote enviado pela mãe de Frankie e na data dos estigmas de São Francisco, ocorridos no ano de 1.224. Mais do que uma coincidência, principalmente pelo fato de estarmos frente ao rumo da protagonista para a totalidade da sua alma.

 

Frankie vai a boate com sua amiga Donna e depois tem relações sexuais com o jovem Steven. Destaque para o anel verde redondo, onde o verde é encontrado duas vezes no anel de Frankie. O anel com a sua forma redonda, mandálica, faz a representação da aliança, da comunhão, da união; temos aqui uma aliança com o verde da natureza, da terra cultivada, do vegetal, da deusa Deméter. O ato sexual representa um símbolo de precursor da vida, da fecundação - depois a dúvida de uma gravidez e até a visão de uma oferta de bebê - permeando o início do filme. Podemos admitir que Frankie tinha a seu favor uma essência pura que estava a espera de ser libertada pela força do fogo, da paixão, do sangue, para então caminhar para sua vida espiritual que desemboca no branco do lençol, como veremos no final do filme.

 

Cena 3

 

Frankie acorda pela manhã com água pingando e o telefone tocando. A água nos remete ao início do filme para a cena do lago, só que agora ela está em movimento. A câmera mostra o pacote, dando destaque para uma tulipa vermelha. O vermelho é vida, fogo da vida, das paixões, da ação; associado a tulipa que representa o feminino, o útero, a fecundidade e nos induz a premeditar que Frankie estaria prestes a ser fecundada com vida, no caso não uma vida humana, mas uma vida voltada para o religioso, como veremos mais tarde no desenrolar do filme.

 

A mãe, ao telefone, comenta que mandou o pacote e ainda se encontra em Belo Quinto, perto do Rio. Frankie ao abrir o pacote não liga para o terço, mas depois ao segurá-lo, apresenta enjôo ao tomar chá. Somos induzidos a ver que o terço pertencente ao padre Almeida possui um 'mana', uma força da natureza. Esta linha da história, com forças místicas da natureza seguirá pelo filme revelando a necessidade do padre Almeida em mandar uma mensagem através do rosário.

 

Frankie toma café com sua amiga Donna, fala de gravidez e o tema vai se repetindo. Veremos mais tarde que ela não está grávida, o que nos induz para a gravidez do sagrado, do místico, enfim, da sua espiritualidade latente.

 

Cena 4

 

Aparece o padre Kiernan em Roma, no Vaticano. A caminho da basílica de São Pedro cruza com três prostitutas na rua e comporta-se de uma maneira simpática para com elas. O diretor mostra que o padre não possuía de antemão nenhum problema com o sexo oposto. Na cena isso é deixado bem claro, inclusive ele não usa a 'persona' clássica do clero, pois fala com elas com um sorriso e por mímica explica que é religioso. Aliás, a gola alta e branca é um símbolo de aliança com o divino. Os objetos circulares simbolizam aliança e compromisso, como por exemplo: aliança de ouro no dedo, circuncisão peniana, aura dos santos, etc. Não me parece que o padre Andrew tenha problemas com a sua 'anima', pelo menos na área da sexualidade. Vamos voltar a questão mais adiante quando começar seu relacionamento com Frankie.

 

A figura do cardeal Daniel Houseman surge e representa a corrupção na igreja, juntamente com o capacho do seu auxiliar padre Dario que provoca o mal pela omissão, numa possível sombra inocente do cardeal. O Cardeal Daniel representa o homem religioso atrapalhado com a sua sombra, em conflito com a ética e a moral vigente, muito comum nos homens religiosos que querem chegar ao divino sem lidar com a 'persona' e a 'sombra', fato muito discutido pelos diretores europeus, como por exemplo Ingmar Bergman.

 

Padre Andrew fala da Nossa Senhora que sangra, admitindo a realidade do fenômeno. É como se ele precisasse de um milagre para voltar a acreditar na religião, não a religião instituída - como a Igreja Católica - mas na nossa religiosidade interna que nos leva ao encontro do Self. O crescente retorno ao religioso começa na igreja de Belo Quinto. Podemos lembrar que ele foi atraído para lá por uma 'sincronicidade'. Tinha ido ao Brasil, na cidade de São Paulo, para verificar uma imagem de santa em um prédio (que foi feita casualmente pela água da chuva) e soube da santa chorando sangue em Belo Quinto. A cena encerra com a frase secular colocada na boca do cardeal: "a igreja é superior a tudo".

 

Cena 5

 

Frankie volta para casa. A cena é centrada com ela na banheira comendo uma maçã, com destaque para o seu umbigo tatuado com um sinal oriental linguístico (). A maçã é um tema universal do conhecimento, do despertar da consciência; lembremos da fruta oferecida pela cobra para Eva e a sua expulsão do Paraíso, juntamente com Adão. Seu apartamento é bem místico. Em torno da sua banheira estão dispostas muitas velas. O rosário aparece jogado, mas lembra uma serpente pela sua disposição sinuosa. Logo em seguida aparece uma pomba. No Evangelho de Tomé, no login 39 encontramos o dito: "Quanto a vocês, sejam tão astutos quanto cobras e tão inocentes quanto pombas". Este tema é encontrado ao longo da história humana na figura do dragão que diz que o homem deve ser pomba e serpente ao mesmo tempo; o dragão nos lembra uma serpente com asas.

 

Frankie imerge na água lembrando um batismo, uma iniciação. O batismo possui a mesma conotação da morte, principalmente da morte simbólica que leva a renovação. Esse ritual será um batismo em sua trilha espiritual, pois é aí que ocorre o 1° estigma, o do cravo nos pulsos. Na realidade a cena mostra Frankie sendo atacada por forças 'não visíveis'. Os aspectos do 'mana' ou forças da natureza podem ser analisados pelo fato da jovem ter sido escolhida e contaminada pelo rosário. Jung aborda esse tema várias vezes em sua obra e considerava os 'Cabiros' ou 'Telésforos' como forças ctônicas (da terra) que sempre acompanhavam os deuses. Essas forças sozinhas são indomáveis e só com a associação de um deus elas podem ser benéficas para o ser humano, um exemplo clássico é o Cabiro do deus da medicina, Asclépio. Os Cabiros eram cultuado principalmente na ilha de Samotrácia, na Grécia Antiga.

 

Cena 6

 

A cena abre com uma ambulância na chuva. O filme foi todo locado na chuva e só no final, na redenção de Frankie, o tempo abrirá. Podemos ver a chuva como o tema do inconsciente, mas desta vez vindo do céu, enviado por uma força superior. No hospital Frankie dá um grito e volta a sua consciência, numa atitude desperta, contrária ao estado de possuída.

 

Volta para casa e encontra goteiras em vários locais. A amiga Donna faz-lhe companhia e sente o cheiro de flores no ar. O cheiro de flores é um fenômeno comum aos estigmatizados.

 

Frankie Paige, personagem central da trama, nos mostra o ‘Caminho da Individuação’. O caminho, ou melhor a exacerbação do caminho, geralmente começa com um fato contudente, provavelmente vindo do inconsciente. O personagem feminino é uma pessoa comum, não religiosa, que evolui até ser comparada com São Francisco de Assis. O diretor aproveitou o fato histórico do santo ser o primeiro a receber estigmas, para compará-lo com a jovem. A jovem Frankie começa o processo de Individuação levando uma vida tola e acaba nos jardins como São Francisco. Nesse caminho passará pelos cinco símbolos dos estigmas; o pulso/mão como persona, as costas como a sombra, a cabeça como intelecto, os pés como consciência do mundo e o fígado como Self (em épocas passadas era mais representativo neste aspecto do que o coração).

 

Cena 7

 

Em Roma surge o padre Gianni Delmonico, outro tradutor das escrituras e um dos três da fotografia do início do filme. O padre Andrew fala das suas dúvidas na busca por milagres, como uma prévia para o diálogo mais desenvolvido que vai ocorrer com Frankie. Padre Gianni está traduzindo um evangelho do século II. Fala de 35 evangelhos encontrados - só temos quatro no Novo Testamento. Coincidência ou não, o padre Gianni ao falar dos evangelhos diz: "eles são, Memórias, sonhos, reflexões...", que é o título do livro de memórias de Jung. Os evangelhos para tradução são divididos entre três grupos de religiosos: dominicanos, franciscanos e jesuítas, com o motivo básico de exercer um controle do saber, o que chega até os dias de hoje.

 

O texto "Evangelho de Tomé", ao qual o filme se refere, faz parte de treze (13) códices e foram encontrados em Nag Hammadi, próximo ao mosteiro de São Pacômio, no Egito. Muhammad Ali e seus colegas procuravam fertilizantes orgânicos e encontraram um vaso lacrado com códices de papiro. Ele foi descoberto em dezembro de 1945, mais precisamente no sopé do rochedo de Jabal al-Tarif que margeia o Nilo. O evangelho estava escrito em língua copta que é uma língua egípcia do tempo dos romanos e consta do Códex número 2, na posição de segundo livro. O formato do livro é o de sentenças e parábolas de Jesus dividido em 114 logins ou sentenças e sua autoria é atribuída a Judas Tomé, o Dídimo. Logo notamos que as três palavras possuem o significado de gêmeo nas línguas hebraico, aramaico e grega, respectivamente. Autores acreditam que o escrito original estava em grego, só uns poucos acham que ele foi escrito originalmente em aramaico ou siríaco. Outros estudiosos afirmam que se trata de um evangelho escrito por seguidores de Mani, como Cirilo de Jerusalém (Catequeses 6,31). Hipólito de Roma, século III cita em sua "Refutação de todas as heresias" (5.7.20-21) um Evangelho de Tomé dos Naassenos ou Ofitas. O local mais provável de sua elaboração deve ter sido em Edessa (Urfa), na Síria, no século I. De certa maneira o Evangelho de Tomé mostra Jesus como seguidor da linha filosófica dos Cínicos.

 

A descoberta de Nag Hammadi foi um acontecimento marcante na vida de Jung. Devemos lembrar que o Códice I de Nag Hamadi, depois de insistentes buscas e contatos de C. Meier, foi comprado com o patrocínio de George H. Page. Em 15 de novembro de 1953, em Rüden, na Suíça, o Instituto Jung de Zurique, pelas mãos do próprio Jung, recebeu o Códice número I da biblioteca de Nag Hammadi que chamou-se desde então, Códice Jung. No Códice Jung encontramos cinco livros e o mais apreciado por ele é o 'Evangelho da Verdade' - um texto da Escola Valentiniana - provavelmente do século II d. C. Depois de traduzido e publicado o Códice de Jung saiu do Instituto C. G. Jung, em Zurique e foi para o “Museu Copta do Cairo”. Jung escreveu uma carta para Freud (referência 269) datada de 29 de agosto de 1911 e nela declara sua busca de inspiração no gnosticismo e cita a figura de Sophia, da Cosmogonia de Valentino.

 

No presente artigo não vamos estudar o Evangelho de Tomé pois foge ao nosso propósito. Quando o texto de Tomé aparecer no filme, será comentado no contexto geral.

 

Cena 8

 

Frankie, na chuva, volta ao trabalho. De dentro do salão tem a visão de uma mulher com o bebê enrolado em um pano vermelho. De novo aparecem as pombas. A mulher está com capa azul claro e de capuz, ela chora e oferece o bebê. Depois deixa cair a criança na rua, como não agüentando o peso e o sofrimento ou por não ter ninguém que a receba. Frankie corre atrás da imagem e só encontra o cobertor vermelho. Donna a leva para casa. Mais uma vez o simbolismo da maternidade, da concepção, da busca pelo criativo que de certa forma Frankie ainda está evitando. O aspecto psicológico religioso ou a busca do 'Mito Pessoal' pode ser trabalhado como o recebimento de um chamado que ocorreu com a jovem Frankie, convocada para trilhar um caminho para o Self ou o divino.

 

Frankie inicialmente não tem consciência do início do seu 'processo de individuação', assim como o personagem Jó, da Bíblia, também não sabia de início do porquê do seu sofrimento. Parece-me que o inconsciente 'provoca reações' em pessoas que possuem em seu âmago alguma 'semente' que está pronta para ser trabalhada. A semente é então encharcada e depois fica em repouso no seio da mãe terra. Só depois de morrer e putrificar é que surgem os primeiros brotos que rasgam a terra em busca da luz do sol. Todos nós já fizemos na escola primária aquela experiência com o 'feijão no algodão com água' e muitos reconhecem aí a base do processo alquímico de transformação.

 

Cena 9

 

A cena abre com Frankie e Donna no Metrô indo para casa. Frankie avista um padre e duas freiras, a visão do eclesiástico a descontrola. Ela vai até o padre Durning e pergunta pelo padre Andrew Kiernan - até o momento não tinha ouvido falar dele. Frankie arranca o crucifixo de uma das freiras jogando-o longe. O trem acelera. Neste momento ocorre o 2º Estigma, as chicotadas nas costas. Como já foi citado acima podemos ver as lesões nas costas como o nossa 'sombra', algo que está atrás de nós, que não vemos, só pressentimos. Anteriormente as máculas foram nas mãos que é nossa expressão maior, a nossa comunicação com o mundo exterior, o motivo de nossa evolução, nossa 'persona' como nominou Jung. Precisamos identificar a máscara que usamos e depois perceber o escuro da nossa alma para depois prosseguir na senda a nós destinada.

 

Cena 10

 

A cena abre com Frankie no hospital suturando as costas. Ela pergunta ao médico se estava grávida e recebe uma negativa confirmando o que já falamos acima. São realizados uma série de exames médicos. A figura do padre Andrew vai se entrosando com a de Frankie por meio de imagens. O padre reza uma missa e as tomadas são intercaladas com os exames no hospital. A alusão a hóstia como corpo do Senhor e a do vinho como Seu sangue é bem clara. É o velho tema da antropofagia dos pagãos, em que o inimigo era comido para se adquirir sua força, que a igreja aproveitou para a figura de Cristo. Ficamos também inclinados a ver o sofrimento de Frankie como um recebimento da graça de Cristo.

 

O médico atendente diz para Frankie que a sua doença parece epilepsia, mas na saída do hospital, o padre Durning fala da possibilidade dos estigmas. Frankie começa a perceber o que está lhe ocorrendo, mas possui a atitude de negação inicial do encontro com 'forças estranhas'. Ela tem de um lado a ciência médica rotulando um fenômeno estranho ao seu conhecimento e, de outro a igreja rotulando um fenômeno 'numinoso' como se fosse uma coisa muito comum de acontecer... As duas beiram ao ridículo e deixam o sofredor ainda mais confuso.

 

A cena corta para o Vaticano. O cardeal constata que a Santa Sé não possui igreja, nem padre em Belo Quinto. O cardeal fala do incidente no metrô e envia Andrew à Pennsylvania devido a uma notícia constrangedora no jornal. A crise da igreja, de todas as igrejas, pode ser abordada por um lado psicológico. Mentira, corrupção, falta de ética e a procura dos valores espirituais fora do indivíduo, podem ser vistos como a falta de consciência do homem. Enquanto nós não sairmos da inconsciência, mesmo que lentamente e paulatinamente, não vamos desenvolver nossa religiosidade. A área abordada seria mais para 'psicologia sociológica' e o tema ainda provoca muitas projeções e desentendimentos; teríamos que falar do gnosticismo como história e força éticas e poderíamos nos perder.

 

Cena 11

 

Frankie mais uma vez retorna ao trabalho, sempre com chuva. As clientes começam a ter medo de suas manifestações e se afastam com receio de uma possível contaminação; podemos nos lembrar da nossa lenda amazônica do 'Boto', onde o desconhecido, o mal, a sombra têm que ser personificados e temidos para se lidar com eles de uma forma mais confortável. Andrew vai ao salão, corta cabelo com Frankie e ao revelar seu nome assusta a jovem.

 

Cena 12

 

Os dois vão tomar café. Andrew fala dos estigmas em pessoas católicas e devotas relatando que o primeiro e principal estigmatizado foi São Francisco de Assis e diz: - "Todo estigmatizado é assombrado por essa dor espiritual intensa... São tomados por suas visões do mal." Frankie se diz atéia e por conseguinte não católica. Andrew estava por desistir de sua investigação quando Frankie mostra os pulsos. Nesse momento revela que sua idade é de 23 anos, a mesma que São Francisco de Assis tinha ao receber os estigmas. Em seguida mostra um papel que escreveu em italiano, onde diz: "Parte um pedaço de madeira e ali estarei, ergue uma pedra e me encontrarás". A citação é do Evangelho de Tomé e está no login 77. Nesta etapa do filme o padre ainda não conhecia o evangelho de Tomé, mas fica impressionado; por outro lado, sua 'persona' eclesiástica ainda nega ajuda a jovem.

 

Frankie vai embora pois não pode ser ajudada. Chega em casa e a água continua pingando. Estuda epilepsia e figuras católicas com estigmas. Aparece nitidamente o conflito interno que leva as pessoas a evoluírem. Ouve ou lembra a mensagem: "Quanto mais próximo de Deus... mais sujeitas ficam ao tormento de seus demônios".

 

Ainda relevante é o fato de Jung ter escrito um livro intitulado “Sete Sermões aos Mortos”, em 1916 - não publicado durante sua vida (só distribuído aos amigos) - com uma linguagem gnóstica e a assinatura de Basílides no lugar da sua. Jung escreveu como um gnóstico da época da composição do Evangelho segundo Tomé, que segundo algumas fontes pode ter sido escrito por Valentino ou alguém da sua escola. A linguagem do livro foi toda gnóstica e poderia pertencer a época do Evangelho segundo Tomé. Jung também escreveu uma obra de inspiração gnóstica chamada “Aion”, nela desenvolve o simbolismo de Cristo e do Si-mesmo com grande profundidade. Numa abordagem parapsicológica, a vida de Jung está cheia de acontecimentos impressionantes e, desde cedo em sua vida Jung participou direta ou indiretamente de fatos inexplicáveis. Em sua casa materna, faca e móvel rachavam sem motivo aparente. Podemos ainda citar a sua tese para tirar o ‘Grau de Doutor em Medicina’, “Sobre a psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos”, como uma tendência precoce pelos fenômenos sobrenaturais. Esta seria uma linha para avaliar o Jung como pessoa e seus escritos mais tardios. Em princípio, o assunto foge do artigo e também da psicologia profunda e das teorias junguianas clássicas.

 

Cena 13

 

Frankie vai a boate e ao encontrar com Donna declara: "Sabe o que apavora mais que não acreditar em Deus? Acreditar nele!" Reclama do sofrimento dos estigmas num visível aumento de conflito espiritual. Logo em seguida começa a receber o 3° estigma correspondente a coroa de espinhos. Apavorada sai correndo na chuva. Quando se aproxima do seu apartamento vê Andrew que fora lhe procurar. Ela foge para um beco com Andrew no seu encalço e ele presencia diversos fenômenos para-normais: pombas voando, vento, vapor, escada que cai e vidros quebrando. Frankie como que possuída fala e escreve em aramaico no capô de um carro. Na cena persiste o erro do filme - o evangelho de Tomé foi escrito em copta - com escrita e fala em aramaico. No padre Andrew somem todas as dúvidas sobre os estigmas e os fenômenos que acompanham Frankie.

 

O terceiro estigma atinge a cabeça, simbolicamente a mente, o pensar, a consciência; agora Frankie não duvida dos fenômenos divinos e do seu chamado espiritual.

 

No beco aparece uma nova simbologia: a escada que cai na vertical e os vidros quebrando. Pode ser uma referência a arrogância de Andrew como vinha se comportando frente a santidade de Frankie e a necessidade de quebrar sua persona de padre, seu espelho que reflete para a sociedade algo que ele não é ou não deveria ser.

 

Cena 14

 

Andrew leva Frankie para a igreja do padre Durning. Ele adentra a igreja com Frankie no colo. A cena é forte, um padre carregando uma mulher que está se 'santificando', lembra o ritual do casamento pagão, do 'hierógamos', onde a noiva é raptada e, para nós restou o carregar a noiva no colo para entrar na câmara nupcial, normalmente um quarto. A cena é um prelúdio do final do filme, do casamento com o sagrado que seria o coroamento de um 'processo de individuação'. Repete-se o cheiro de flores. Andrew manda a gravação feita no beco para o padre Gianni em Roma, ele responde que alguém falava aramaico do início do primeiro milênio, usado na Galiléia.

 

Frankie levanta-se e anda pela igreja, observando uma imagem do Cristo crucificado notando a diferença do local dos cravos, da mão para o pulso. Frankie começa aí uma comparação de seu sofrimento com a paixão de Cristo. Andrew explica que a imagem não é correta, os romanos prendiam as pessoas pelo pulso quando as colocavam na cruz.

 

A cena corta para Frankie no alto do seu prédio lendo seu bilhete em italiano: "Parte um pedaço de madeira e ali estarei ergue uma pedra e me encontrarás". A cena pode sugerir uma dúvida entre suicidar-se ou não. Eu fico mais inclinado a ver Frankie num prelúdio de elevar-se espiritualmente, pois o prédio onde ela mora lembra uma catedral, outras tomadas já deram essa idéia. De qualquer forma todas as duas são válidas no contexto.

 

Cena 15

 

Continua chovendo... Andrew vai até o apartamento de Frankie e a encontra envelhecida rabiscando a parede da sala em aramaico como se estivesse possuída. Andrew fotografa a cena e percebe a transformação física e psicológica. Pergunta então: - "Quem é você?" A resposta vem com uma voz grossa nitidamente masculina: - "O mensageiro não é importante". Frankie caminha lentamente como um velho, vai até a cama e deita, a água pinga em seu rosto e ela volta à juventude. De novo o anel de Frankie é verde. Já normalizada e com sua voz restabelecida declara angustiada: "Meu coração está se partindo! Estou muito triste"! Repete-se o cheiro de flores acrescido do espanto de ter escrito em aramaico na parede.

 

Cena 16

 

A cena volta ao Vaticano. O cardeal Houseman está preocupado com as notícias nos jornais, principalmente pela má repercussão na mídia.

 

Novamente Andrew fotografa exaustivamente a parede enquanto Frankie brinca com pombos na janela. Ela está bastante abstraída, comprovando a evolução do seu estado em relação ao que vem acontecendo. As fotos descontrolam Frankie e os pombos voam. Andrew duvida que ela possa ter recebido as mensagens e aventa a possibilidade do fenômeno ser de criptomnésia. Frankie se aborrece e vai para a rua com Andrew no seu encalço. Frankie fica olhando e selecionando flores. Depois resolvem sentar-se em um bar ao ar livre.

 

O padre Andrew conta que flutua entre padre e cientista, vai então reforçando a figura do padre que perdeu a fé. Era um químico orgânico e foi buscar as respostas para a ciência na fé católica. Acabou perito em descobrir fraudes em possíveis milagres. Como cientista viu que o mundo deveria ter sido criado por um Deus. No diálogo declara que era um homem de ciência e depois por descrédito procurou a religião. O que estava abalado era a sua fé, tanto que no final foi testado pelo fogo quando vai salvar Frankie do exorcismo. Quem lhe mostra o caminho de volta para a fé é uma figura feminina, talvez uma expressão de sua 'anima' na forma santificada. A Anima quando bem trabalhada é quem conduz o homem ao encontro com o Self e no final vamos intuir esse fato com a cena do lençol envolto no corpo de Frankie, o pássaro e o caminhar pelo bosque, associado a imagem de São Francisco. Para confirmar mais ainda a linha não sexual de seus problemas, o assunto da conversa vai para o celibato, com Andrew declarando: "troquei um monte de complicações por outras".

 

Surge o 4° estigma, dos cravos nos pés. Os pés além da sua representação da sexualidade nos mostra o contato com o chão, com a realidade, com o cotidiano. Frankie precisa desligar-se de mais esta etapa para uma percepção maior e mais diferenciada do inconsciente.

 

Cena 17

 

Andrew leva Frankie para casa. Fala das cinco chagas, principalmente da última, a do flanco ou fígado. O flanco, rins em algumas traduções da Bíblia e principalmente o fígado são representações do inconsciente pessoal, assim como o coração. São órgãos vitais que em tempos remotos - quando atingidos por objetos perfurantes - levavam o homem à morte. Andrew conta dos estigmas do padre Pio, no sul da Itália, morto em 1968. Lembra da mesma idade de Frankie, 23 anos e a de São Francisco de Assis. Fala que:

 

- Todos os estigmatizados sofrem o mais intenso conflito espiritual.

 

- Quanto mais perto de Deus, mais sujeitos ficam a tentação, as visões do mal, ao tormento de seus demônios.

 

Os estigmatizados são nossos conhecidos principalmente vistos pela visão da igreja católica. Muitos estudiosos pesquisaram o problema e não acham que os estigmas possam ser de origem divina. O autor do livro "Milagres", Scott Rogo cita o testemunho de um grande pesquisador chamado Herbert Thurston que ao duvidar do fundamento divino dos estigmas coloca em primeiro lugar o fato de eles só começarem a aparecer em 1224, com um santo. Os argumentos vão em direção aos sintomas histéricos em vários devotos mas um estudo mais aprofundado fugiria ao conteúdo deste artigo.

 

Cena 18

 

Andrew envia as fotos da parede para Gianni em Roma. Quando Gianni vê o sinal da pomba, pára a transmissão assustado. Aparece de novo a frase: "O Reino de Deus está em vós e a sua volta e não em templos de madeira e pedra." Gianni fala do fechamento da 'comissão dos evangelhos' declarando que foi tradutor do evangelho de Tomé com mais dois padres. Padre Dario descobre o envio das fotos e mostra as mesmas para o cardeal.

 

Andrew percebe uma figura de fundo nas fotos, possivelmente do padre Almeida. Delmonico liga para o padre Marion Petrocelli em New York - o terceiro padre da foto do início do filme - e avisa que Almeida está em Pittsburgh. Este é o lado policial do filme, onde a trama é esconder o manuscrito até sua tradução final e posterior divulgação.

 

Cena 19

 

Andrew vai para a casa de Frankie e a encontra maquiada, com os pontos do braço quase cicatrizados. Ela oferece cerveja 'pintando um certo clima'. Andrew vê a parede da sala - que continha as frases em aramaico - pintada de vermelho. Frankie avança no processo de sedução e a água que pinga entra em ação novamente. Andrew não corresponde ao jogo sensual. As vezes quando avançamos no processo de individuação temos uma espécie de recaída, como num movimento espiralado. Essa recaída pode ser pelo lado do conflito sexual, como se nossa energia psíquica - como a água - ao encontrar uma barreira vai pelo caminho mais fácil.

 

Frankie é então atacada pela possessão do padre Paolo Almeida misturando os sentimentos perturbadores da recusa ao contato sexual. Sucede uma série de agressões físicas ao padre Andrew. Quando vemos um padre beijar uma fiel ou discípula na vida real, é claro que o padre e a mulher estão com grandes conflitos de sua anima/animus/sexualidade. Aqui no filme o diretor possivelmente não conseguiu diferenciar sexualidade, sensualidade e 'energia psíquica'. Muitos aí se confundiram, nosso exemplo maior é Freud que tem a desculpa de ter sido o pioneiro. Nós humanos temos o sexo como em um mamífero primata, puro instinto. Temos a sensualidade que fica como numa encruzilhada entre sexo e energia psíquica, sendo que esta pode levar o ser humano para a espiritualidade. Podemos e devemos fazer o sexo animal, mas já temos consciência suficiente para não desviar a energia psíquica do sexo para o religioso e nem a do religioso para o sexual. Os gregos usavam a sensualidade das deusas para o divino, suas estátuas eram nuas, com curvas pronunciadas e ficavam no templo religioso. Sei que é difícil tratarmos o tema sexo sem um mínimo de projeção, principalmente quando se é jovem, mas se quisermos evoluir temos de tentar não projetar tanto nossa anima/animus no sexo oposto.

 

Em seguida vem a cena mais bonita do filme. Primeiro Frankie pega uma faca e corta o seu braço, depois perfura-o e em seguida cai em direção a cama, mas ela se move. Frankie fica suspensa no ar, deitada. Continua a flutuar só que agora em pé, na posição da crucificação. Permanece por um tempo crucificada no ar chorando lágrimas de sangue. Andrew retira-a da suposta cruz.

 

Cenas 20 e 21

 

Padre Marion Petrocelli recebe um fax, em New York, com o texto em aramaico. Andrew cuida de Frankie em casa, pega o rosário de Almeida e reza. A água pinga mais uma vez. Andrew deita na cama com Frankie para consolá-la.

 

Chegam ao apartamento de Frankie: o cardeal Houseman e os padres Dario e Durning. Como sempre está chovendo. Os três levam Frankie para a arquidiocese, e lá ela fica aos cuidados de duas freiras. Andrew conversa com o cardeal que mente a respeito do Evangelho de Tomé.

 

Cena 22

 

Andrew volta para a igreja e encontra o padre Marion Petrocelli que veio de New York procurar o padre Almeida (ele acha que só o padre almeida poderia ter escrito aquelas palavras na parede do apartamento de Frankie). Como sempre está chovendo. O padre Marion Petrocelli fala de pergaminhos no Mar Morto, do século I, encontrado em 1945, perto de Jerusalém e da escrita em aramaico; erros que já citamos anteriormente (houve uma descoberta de manuscritos no Mar Morto, em 1947, em Qumran, mas lá não foi encontrado o Evangelho de Tomé). Conta do padre Almeida fugindo com os pergaminhos quando a igreja queria bloquear sua publicação. Repete a fala: - "O Reino de Deus está em vós... e não em templos de madeira e pedra.". Comenta o fato do padre Almeida ter estigmas nas mãos e como num estalo, Andrew descobre que Frankie é o mensageiro de Almeida. Percebemos na cena que o padre Petrocelli revela seu lado sombrio misturado com o da igreja.

 

Cenas 23 e 24

 

Na arquidiocese o cardeal Houseman tenta expulsar a alma do padre Almeida que estaria possuindo à Frankie. Frankie misturada com a possessão de Almeida percebe a situação e se prepara para enfrentar o cardeal. Andrew, depois da conversa com Petrocelli, percebendo o perigo de vida de Frankie e corre para a arquidiocese. Mais uma vez está chovendo. Volta a cena do exorcismo de Frankie com cada freira segurando um braço, como os dois bandidos na cruz ao lado de Cristo. A alma de Almeida incorpora em Frankie e o cardeal perde o controle da situação, então expulsa os membros da igreja do quarto e tenta matar a moça. Andrew chega a tempo de retirar o cardeal do quarto, usando da força física.

 

Cena 25

 

Andrew volta para o quarto encontrando Frankie possuída por Almeida e muito fogo ao redor do leito. Almeida fala das dúvidas religiosas de Andrew e este entra no meio do fogo pedindo para Almeida ir em paz. Frankie volta a falar com sua voz enquanto uma pomba voa através do fogo. Ao passar no teste do fogo Andrew salva Frankie e libera a possessão. O fogo cessa. Aqui temos o tema de: passar no teste de fogo, ser purificado pelo fogo, livrar-se de suas impurezas queimando-as no fogo. Andrew retira Frankie do quarto, no colo e envolta em um lençol branco.

 

Cenas Finais

 

O filme em VHS e DVD apresenta dois finais. Basicamente a diferença é a morte de Frankie em um deles, quando sofre o quinto estigma.

 

Cena 26

 

Andrew sai da igreja com Frankie no colo enrolada em um lençol branco e chega a um belo jardim. A sua esquerda vemos a estátua de São Francisco de Assis. Já não chove mais, embora apareça uma suave névoa. O jardim está bastante florido. Andrew senta no banco com Frankie no colo, pede para ela ficar viva e dá um suave beijo na sua boca.

 

Na versão com a morte de Frankie, aparece uma mancha vermelha no lençol insinuando o sangramento do 5° estigma, a lança no flanco de Jesus que possivelmente atingiu o fígado. Ela morre, mas sua alma caminha pelo jardim, onde uma pomba pousa na sua mão. A imagem desvanece no jardim voltando a tomada com Frankie morta no colo de Andrew.

 

Podemos ver a ausência de chuva como a tomada de consciência de Frankie, principalmente, se olharmos a chuva como o inconsciente enviado pelos céus, pela divindade. O quinto elemento, como a fase de consciência final, está na quinta ferida de Cristo assim como na quinta etapa de Jung. O desabrochar das plantas em flores pode ser visto como a sua transformação final; com os seus órgãos reprodutores exuberantes a se perpetuarem e difundindo sua natureza pelo pólen, com a ajuda dos pássaros, do alado, do divino.

 

Na versão em que Frankie vive ela levanta do colo de Andrew e passeia pelo jardim com a pomba vindo em sua mão e depois voando, indo embora. Frankie passeia pelo jardim florido e a cena sugere uma comparação com São Francisco de Assis.

 

O fato de ocorrerem cinco estigmas nos leva a uma tentativa de compará-los com as cinco etapas da individuação propostas por Jung e, tão bem relatadas no livro de Murray Stein, “Jung - O mapa da Alma”. Vou usar o livro como base tentando fazer um paralelismo entre as cinco fases da individuação apresentadas por Stein e as cinco chagas de Cristo. Os cinco estigmas podem ser vistos pelo lado simbólico; pulso/mão, costas, cabeça, pés e fígado, conforme já descrevi acima. A morte no final pode ser vista como uma morte psicológica de uma vida puramente de prazeres e inconsciente; portanto uma morte evolutiva. A individuação para Jung é uma evolução natural de todo ser humano que pode ser acelerada ou não.

 

Para vivenciarmos as cinco etapas do desenvolvimento da consciência podemos fazer uma simples experiência prática: amarre duas pedras com um elástico forte (do tipo que encontramos em pastas de cartolina), coloque uma em cima da outra e cubra com um lenço opaco e estaremos olhando para a primeira fase. Retiramos o lenço e contemplamos as pedras sobrepostas e temos a segunda etapa. Começamos a afastar uma pedra da outra, é a terceira etapa. Depois do elástico bem esticado vamos mentalmente imaginar um ou mais símbolos transcendentes e concluímos a quarta etapa. Pela ação dos símbolos, a tensão no elástico cede e voltamos a juntar as pedras sem sobrepô-las, é a quinta etapa. Vamos fazer uma breve exposição das cinco etapas.

 

1ª etapa: O antropólogo francês Lévy Bruhl chamou-a de 'Participation Mystique', é a etapa da identificação da consciência com o mundo, onde a consciência e o objeto são a mesma coisa; é nossa identificação com o objeto, natureza, bens materiais, etc. Quando um primitivo ouve uma voz interna ele sempre atribui a Deus, ao Diabo, a uma árvore, um duende, um animal, etc. Pode parecer que a fusão com a natureza é uma totalidade, mas ela é inconsciente.

 

2ª etapa: Nesta etapa começamos a reconhecer um mundo exterior e a projetar nossos conteúdos inconscientes. É a etapa das projeções arquetípicas, as projeções são seletivas e o inconsciente tem preferência por colocá-la nos objetos. Podemos subdividi-la em vários arquétipos: pai, mãe, irmãos, professor, padre, amigo, chefe, esposa, filhos, etc....

 

3ª etapa: Começamos a reconhecer o outro, as projeções são menos em coisas e pessoas e mais em princípios. Deus ainda existe fora - se somos religiosos - mas não conseguimos internalizá-Lo. Sabemos que o mundo possui existência própria e não podemos interferir na natureza.

 

4ª etapa: Vamos tirando lentamente as projeções, sempre com o cuidado de não trocar uma projeção por outra achando que a retiramos. Devemos ter cuidado com 'culpa e inflação' que são projeções negativas e positivas no ego. Pensemos no 'Além do homem' de Nietzsche e podemos ter uma idéia das dificuldades.

 

5ª etapa: Aqui começamos a deslumbrar o Self, a Imago Dei. Estamos juntos de Deus sem sermos Deus, aceitamos a nós mesmos e conseqüentemente os outros, pessoas, objetos, natureza, etc. Aceitamos inteiramente o inconsciente como uma unidade a parte que pode interferir na nossa vida.

 

Cena 27

 

A cena começa com o foco na igreja de Belo Quinto. Andrew aparece abrindo em frente a santa, um alçapão no chão, retira de lá um rolo de papiro e a tradução correspondente, com isso recupera o belíssimo Quinto Evangelho. Na versão com a morte de Frankie, Andrew coloca o retrato dela aos pés de Nossa Senhora. Surge uma voz de fundo:

 

- "Estas são as palavras ocultas que Jesus proferiu em vida..."

 

- "Quem descobrir o significado destas palavras não conhecerá a morte."

 

A imagem interna da igreja amplia-se, com a câmara focando no Cristo crucificado, do lado de fora o sol está quase no meio-dia.

 

O início do Evangelho de Tomé começa com a frase acima e o login número um registra a segunda frase. O sol fulgurante do meio-dia mostra a vida em sua pujança e nos convoca a uma busca constante, com a certeza de que é o corpo que morre e a alma permanece, mesmo com o sacrifício mortal do nosso ego teimoso. Só nos resta reler o Evangelho de Tomé e extrair dele todos esses ensinamentos profundos. 

 

The End.


Fonte: http://www.psicologia.com.pt

Publicado por Akasha De Lioncourt
em 01/06/2008 às 16h53